(Sermão baseado em Marcos 7.1-23, ministrado na Igreja Luz dia 14/09/2008, pelo Rev. Jean Chagas)
Há um terrível surto em processo na igreja evangélica brasileira. Fatos inimagináveis têm se multiplicado na prática de muitas comunidades locais. Parece um tipo de esquizofrenia evangelical. Crentes que se auto-exorcizam, rosas místicas, sal purificador, varinhas e cruzes energizadas entregues aos fiéis, etc. Onde vamos parar com esta paranóia?
Em outra vertente, reerguer-se com vitalidade um conservadorismo "neopuritanístico" como reação a todas estas coisas. Discussões do tempo dos meus avós voltaram aos ambientes dos concílios. Tais como: o bater palmas, o uso de determinados instrumentos no culto, a sacralização dos espaços de celebração, a oportunidade ou não para mulheres ministrarem na igreja, a liberdade da expressão corporal no culto, etc.
Assim, alguns graves perigos à verdadeira espiritualidade tomam força e ameaçam a vitalidade da comunhão do povo de Deus com o seu Senhor. Destacaria quatro grandes perigos:
1. O Tradicionalismo - Alguém já escreveu: "Tradição é a fé viva dos antigos. Tradicionalismo é a fé morta dos vivos." O grande perigo do tradicionalismo é que ele se apresenta de modo sutíl como uma interpretação inequívoca da Escritura e do mundo. Assim, de modo disfarçado, o tradicionalismo se impõe como dogma, anulando a autoridade única da Palavra de Deus. Isto engessa historicamente a Igreja, destruindo a contemporaneidade de sua mensagem.
2. O Legalismo - Tal fenômeno conduz à ideia de uma relação de mérito com Deus, menosprezando a graça de Jesus. Leva as pessoas a serem escravas de regras e ritos, ao invés de crescerem na idoniedade como cristãos capazes de aplicar princípios as diversas realidades da vida. É uma boa opção para aqueles que não desejam crescer através da reflexão e do bom senso, haja visto que no legalismo alguém já pensou e definiu por todo mundo.
3. O Sincretismo Religioso - Um tempo atrás um irmão me mostrou a embalagem de um sabonete de arruda recebido num culto evangélico. Ora, o que levaria um líder evangélico a aconselhar seus irmãos a banharem-se com arruda para espantar "mal olhado"? Sabemos que isto não provém da fé cristã. Nada mais é do que um elemento da religião não cristã absorvido por uma corrente que se proclama genuinamente evangélica. Esta mistura religiosa é perniciosa à verdadeira espiritualidade.
4. O Relativismo Moral - O pecado não pode ser definido por minha opinião pessoal ou pela conveniência das situações que me cercam. Iniquidade é tudo aquilo que o próprio Deus definiu como contrário à sua vontade e impuro aos seus olhos. A relativização do certo e do errado tem custado a saúde espiritual de muitas pessoas e igrejas locais.
Em Marcos 7 Jesus têm um confronto direto com os fariseus em detrimento do entendimento da verdadeira espiritualidade. O ponto de partida é uma controvérsia sobre o que contamina o homem. O que para nós é apenas um problema de natureza sanitária, para os fariseus era um problema de ordem espiritual: O comer com as mãos impuras! Diante deste embate, Jesus denuncia como a tradição dos líderes religiosos levava as pessoas a uma falsa compreensão da relação espiritual delas com Deus e com o mundo.
Assim, quero destacar três princípios que Jesus ensina nesta passagem, que podem equilibrar nossa comunhão com Deus, preservando-nos dos perigos à nossa espiritualidade:
1. Precisamos nos manter cativos à Palavra de Deus (v. 6-8) - A tradição dos líderes religiosos, que se propunha a ser uma interpretação da Lei, havia se sobreposto sutilmente como uma oposição à própria Lei. Nosso compromisso maior precisar ser com a Escritura. Nos submetemos aos líderes até que estes sejam fiéis à Palavra. Não podemos trocá-la por tradições, conjunto de leis, ou misturá-la com outras práticas religiosas. Não podemos relativizá-la por nenhum tipo de conveniência pessoal.
2. Precisamos mensurar nossa espiritualidade a partir da saúde de nossos relacionamentos (v. 11-13) - Os fariseus ofereciam uma oferta a Deus para se sentirem desobrigados em honrar seus pais. Pensavam que era possível manter a saúde da relação vertical sem cuidarem da horizontalidade de seus relacionamentos. Nosso Senhor resumiu a Lei e os Profetas em amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. O diagnóstico e a cura de nossa espiritualidade está no cuidado e na saúde de nossos relacionamentos.
3. Precisamos cuidar do mundo interior para termos verdadeira espiritualidade (v. 18-23) - Para os fariseus, a saúde espiritual dependia do trato com elementos externos. Nosso Senhor, porém, se opoz a tal compreensão demonstrando que nossa impureza encontra-se no mundo interior. É de lá que brotam as imundícies. Deus deseja tratar-nos de dentro para fora. É necessária a coragem de expor esta realidade interna e negra que nos assola se desejamos saúde espiritual. Não devemos fugir, mas nos apresentar como somos para sermos purificados.
Tradicionalismo, legalismo, sincretismo religioso e relativismo moral podem destruir nossa comunhão com Deus e nos afastar da verdadeira espiritualidade. O caminho da real busca deve nos levar de volta para a Palavra de Deus, em sua singularidade e simplicidade. É o caminho que propõe tratar-nos os vários níveis de relacionamento para que nossas orações e busca não sejam interrompidas. É o caminho de olharmos para dentro, onde está o verdadeiro mal e a fonte de nossa impureza. Somente este caminho irá nos conduzir à verdadeira espiritualidade.